quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Hell-Equin


Sou um cavaleiro do inferno
No útero, com a pena na mão
escrevi dentro de mamãe
literatura é terrorismo!
Rasgando a carne lentamente
escrevi com sangue
Chorou amargamente
"Pari um libertino"
Não mostrou mais os dente
Aos 12 me disse esperançosa:
Nem prostituto, nem escritor
vai ser juiz ou doutor!
Ah, feto infeliz
Segue nessa vida rançosa
Fazendo o que não te condiz
Rasgando a pele com mentiras
Sorrindo para a meretriz
Que não te faz feliz
E nela tu não goza
Segue tua vida, imbecil sem honra
Sem justiça, sem vontade de ser justo
Calmo, confiante, descrente em quase tudo
Creia apenas na pena que veio contigo
Escrever é teu alívio e castigo!

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Herança


“Homem, carne sem luz, criatura cega
Realidade geográfica infeliz,
O universo calado te renega
E a tua própria boca te maldiz”
Augusto dos Anjos, Homo Infimus.

Sabe o escritor? Aquele velho moribundo. Ele pode nos contar sua história. Pensava na eternidade, pobre. Agora tudo vai com ele para o caixão. Falarei desta sufocante viagem.

Este homem viveu para literatura. Suas últimas palavras foram Shakespeare. Disse “somos feitos da matéria dos sonhos” e dormiu para sempre. E falou antes. Cada noite dormida é uma morte, parte não vivida, abandonada à sorte dos sonhos e pesadelos. E eu, tenho as noites repletas de vilões, ausente de heróis e mocinhas. Falou mais. Antes de dormir, uma agonia. Toda vez era desse jeito. Se entregava ao cansaço muito tarde. Teimoso. Vinte minutos e já acordava. Pergunto se dá para viver assim, sem dormir e com medo desse jeito.

Chegou sem preparativos. O velho não falava. Respondia com Dostoievski “minha história? Mas quem lhe disse que eu tenho história?”. Ria muito por entre os bigodes. Passava a mão na careca. Não entendia isso. De onde veio? Para onde vai? Estas dúvidas me atormentavam. Nunca chegaram a perturbar o velho. Pobre de mim.

Hábitos estranhos. Considerava o “jejum a coisa mais fácil do mundo”, um tanto Kafka, não preparava, degustava ou defecava. Não tinha mulher, filho ou parentes. Como pôde viver assim, sem comer, sem família? Ele bebia muito. Um vinho, um chá, um café, qualquer coisa. Tava sempre com a garrafa. Mas nunca bêbado. Pura contradição e agonia.

Não gostava de ficar perto dele. Ouvia inventar estórias. Sentado na praça. Com os meninos da rua. Via escrever. Suspirar. Fechar os olhos com força. Voltar a escrever.

Todo dia eu estava lá. Escondido para ouvir. E lá o velho doido mexia o bigode. Ouvíamos. Contou sobre uma infância. Podia não ser a dele, mas para a gente era. Quando nasceu, uma corja assolava seu país. Foi concebido num ato violento. Odiado pelo pai. A mãe só chorava. Todos riam deles. Sobreviveu a dois abortos. Foi jogado no mato. Mas como filho do mal-acabado, voltava. Tentou ser um bom filho. Mas era para seus pais, dor, culpa e medo. Surrado, pedia perdão. Se casou com a filha do mercador.

E não falou mais. Assustou. Deixou curioso. E o corpo dele está ali. Na cama fedendo. Se a história fosse dele, tinha aparecido alguém. Mas o velho não tem história dele. Só algo a contar. De alguém.

Mas como posso pensar nele? Louco, pobre e velho. Não me convenceu do contrário. Não quis. Toda vez que sentava, todos ouviam. Contou a história de um jovem de trinta anos. Tinha esposa e a deixava para ir trabalhar. Um dia viu o demônio sobre ela. Matou o inimigo. A mulher já estava morta. Fugiu e se escondeu. Virou velho escritor, pensei. Ninguém sabe. Morreu sem dizer.

Não contou mais nada. Mas sei como ele morreu. Colou a ultima folha na parede. Mil, contei ainda há pouco. Andou pelos campos. Acompanhamos por muito tempo. Sumiu de nossa vista. Despencou num abismo. Ficou desfigurado pelos ferimentos. E a cara de dor. Carregamos para casa. Infelizmente fiquei para cuidar do velho. E não sei por quê. Não pergunte.

Desejei sua morte, confesso. Já tava todo inchado e sem pêlo. Pedia para morrer. Gritava de noite. Pediu, eu fiz. Li muito para ele. Assim o velho se acalmava. Acompanha a leitura pela memória. Passei a gostar do velho. Dos livros dele. Do que ele fazia. Quando morreu, juntei todas as folhas da parede. Fiz uma gulodice:

Comprei mil folhas em branco e cola. “Sou uma sombra!”

Defuncti




Sou um homem morto.
Não porque alguém matou.
Nunca fui outra coisa.
Já tentaram me matar
Mas não se pode.
Sempre fui homem morto.
Quando passava nas ruas
Via as pessoas me olharem.
Mesmo não me vendo,
Nunca poderiam se livrar.
Apesar de tudo isto
Tenho sido convocado.
Já que não tenho nome.
Chamaram pelos mais variados
Mas só gostei d’um.
Só me deixo chamar por R..

Gosto de mangas longas.
Para esconder marcas.
Da tortura.
Do tempo.
Da memória.
De você.
Escondo cortes.
Arranhões.
Queimaduras.
No pulso.
Na barriga.
De tédio.
De amor.
Amei pouco.
Aparentei muito mais do que senti.

Suava muito.
O calor me matava mais.
Assim como a chuva.
Nada mais.
Logo ficava fedendo.
Todos fugiam para longe.
Sentado sozinho.
Solitário e feliz.
Mortos fedem
Fedem demais.

Não se fala mal dos mortos.
É verdade.
Mas de mim falavam.
Porque não me conheceram.
Porque sempre fui morto.
Defunto impertinente.
Me odiavam por isso.
Mesmo morto,
Nunca fui santificado.

Defunto.
Nunca tive estória.
História. Velório.
Nem uma reza.
Por isso ando por aqui.
Não vejo graça nenhuma na morte.
Nem na outra coisa.
Vejo nos rostos deles.
Tão mortos quanto eu.

Os mortos não dormem.
Abrem os olhos.
Permanecem no escuro.
Pensando sem dormir.
Esperando o dia nascer.
Que Demora muito.
Parece não chegar, mas chega.
De dia fingimos que somos outros.
Que não estamos mortos.

Esta maldição não é minha.
É sua.
Fadada a me acompanhar.
Morto e revirando na cama.
Sem conseguir te olhar.
Te admirar.
Como sempre quis.
Já foi alguma vez?
Todos mortos.
Só eu que sei de tudo isso.

Irônico.
Acordo e visto roupa.
Não me importo.
Mesmo nu não me importo.
Reclamo de tudo.
Reclamo de mim.
Mesmo sem espelho,
Reclamo.

Sento sozinho na praça.
Porque sou fedorento.
Começo a pensar.
Leio. Escrevo.
Ouço as estórias dos outros.
Finjo me importar.
Mas, coisa nenhuma importa
Pessoa;
Cidade;
Verdade;
Pois não nasci para nada.

terça-feira, 31 de março de 2009

Beber e Ler


Rafael de Andrade.

Há muito tempo sai de Lá. Mandei tudo para os ares. Me refugiei aqui . Fiquei alternando. Beber e ler. Às vezes, o café me dava dor de cabeça. Uma aspirina, tudo resolvido. Mas por horas a dor me acompanhava. O importante era estar sozinho. Deixei tudo porque me agoniava. Muita gente me sufoca, ia morrer. Me alimentar. Uma mulher para namorar. Beber e ler.


Um teto desabou. Matou gente. Nem me importei. Tinha por aqui tudo que precisava. E gente, todo dia morre. O vizinho veio avisar. Nem mandei entrar. Deixei lá no portão com os cachorros. Tava na metade do livro. Não importava que morria gente. Queria mesmo era terminar. Só para outro iniciar. Não é assim a vida, termina um livro, morre um, nasce outro e um novo livro se abre?


Todo dia, algo novo. Lá, todo dia nascia o sol. Todo dia trabalhar. Dormir. Noutro dia nascia o sol. Rotina chata. Por isso sai de Lá. Aqui, todo dia um livro novo. Café para despertar. Literatura.


Fiquei doente. Não tinha ninguém para cuidar. Uma dor do lado direito. Agüentei por mais um tempo. Não reclamei. Por falta de opção, adoro reclamar. Mas sozinho não reclama. Agüentei muito tempo ainda. A dor aumentou, forte demais. Sou homem, mas tenho medo. Morrer com tanto para ler, queria não.


Voltei para Lá. Ninguém sentou do meu lado não. Uns foram de pé, mas não sentaram. Me disseram que tava fedendo. Nem liguei. Queria mesmo era voltar de Lá. Beber e ler.
Ele disse que eu tava doente. Que de tanta bebida, ia morrer. Não sabia que beber matava. Prometi parar. Quando tava voltando, me pediram para ficar. Queria é ficar sozinho, para ler.
Voltei. Abri o livro. Ficava parado por horas. Só mexiam os olhos. Senti dificuldades. Ler de noite não dava mais. Nada tinha para fazer de noite. Gravava de dia para ouvir de noite. Ouvir até dormir. De dia voltava a ler.


Voltei para Lá. Ele me disse que eu tava doente dos olhos. Me avisou para não voltar. Mas queria era ficar sozinho. Não podia ler mais. Mesmo assim continuei. Piorei até que não podia. Fiquei Cego.


Resolvi voltar. Não podia mais beber nem ler. No caminho, me mordeu. Aí sai gritando pela estrada. Só ouvia os barulhos das madeiras quebrando. Acho que me perdi no meio do caminho. Andei até cansar. Sentei num chão. Por lá fiquei. Se for para voltar, ficar sem beber, nem ler, prefiro aqui ficar. Por aqui fui ficando. Ninguém me achou. A solidão, doença nenhuma pode me tirar.


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Novos amores...

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

O Leão e a Princesa.



Rafael de Andrade.


“Provenho de uma raça notável pelo vigor da imaginação e pelo ardor da paixão, chamaram-me de louco”, Edgar Allan Poe, Eleonora.


Eis meu prólogo:


Todos vocês estão presos a uma rede que coube a vós mesmos criar. Chamar simplesmente de aceitação é uma demonstração de incapacidade de mutação, incapacidade de superação. E sabemos que perder tempo é essencial para o homem que acredita no tempo, se divertir é essencial para o homem que acredita que precisa se divertir e desferir palavras inúteis para com o outro é de fato uma afirmação de inutilidade de quem as professa. Pois bem, todas as minhas palavras serão como leves estocadas no corpo podre destes que acreditam serem os únicos seres da terra que merecem importância, que pensam ser reis ou qualquer outra espécie de autoridade imbecil, que atravessam o caminho das pessoas trazendo dor e saem impunes. Eu sou o instrumento de vossa tortura, eu sou seu algoz, eu sou tua fogueira e tua forca, de medo de mim irão se banhar em vossa urina e fezes, onde irão clamar por deus e por suas mães. Eu não sou dono da verdade: eu a odeio.


E odeio toda espécie de comodidade, odeio toda espécie de passividade frente ao que é imposto por verdade. Compreendemos que seguir a corrente das coisas é demasiadamente fácil, é o que é aceito e aplaudido por todos: Festejemos! Façamos festa para vossa imbecilidade! Sois imbecis demais para sequer perceber que há um caminho inexoravelmente trilhado por todos que querem deixar de ser homens póstumos ou sedados, por todos que querem deixar de ser animais no cio, machos e fêmeas se preparando para o coito, machos e fêmeas numa pseudo orgia desregrada sem realmente conhecer o que há de prazeroso na vida.


Eu não posso me queixar de nada, sou um ser demasiadamente feliz e consigo chegar ao orgasmo em quase tudo que faço: Sinto prazer em minhas leituras, em escrever, em estar com minha família, com minha namorada, com meus amigos e irmãos enquanto vós buscais desesperadamente por um prazer em um copo de bebida ou em um corpo e de fato só sentem o vazio de voltar para casa embriagado e se sentido usado enquanto eu posso sentir prazer na simples contemplação do que é minha vida em alguns minutos permanecendo pensativo. E para saudar a felicidade, escreverei mais de mil palavras.