
Rafael Ademir O de Andrade.
Há no mundo [haveria fora do mundo? Outro mundo?]: muitos entes [parentes, doentes, incoerentes? Existência ou suposição?] que pedirão para que tu abaixes a tua cabeça, para que aceites, para que vivas a dizer sim, para que abra as pernas, para que te posiciones de quatro como escravo, meretriz, proletário, funcionário, revolucionário, partidário, aluno [um a-luno], doente, corrupto, jovem, pobre, rico, medíocre, bonito, forte, raso, abastado, bastardo. Seguirás então cantando, caminhando para o abate como gado que é. Uma imposição defendida por todos aqueles conformados, moribundos deitados em suas camas, os que aceitam verdades, os que pregam verdades universais, e, ainda por cima, verdades imbecis.
Olho nos olhos e olho o que vejo no espelho. Para me libertar e não estar sozinho [o homem sozinho, nunca está sozinho, sozinho : é animal ou um deus?] além dos muros, esbravejo estas cousas, que não são verdades, não são imposições, não são discursos: são gritos de um louco, cabelo desgrenhado, barba mal feita, saliva descendo pelo canto da boca, nariz escorrendo a lamúria, unhas grandes e sujas de barro, lama e fezes, roupas borradas, botas rasgadas e uma bolsa cheia de livros amarelados [este mendigo é, um louco? Um profeta? Um deus? Um nada?].
Eu, como seu verdadeiro melhor amigo, te convido às armas! Abandonemos nossas convicções cegas! Eu que vaguei sozinho por desertos, pântanos e cidades procuro a guerra que devo de tratar! Levanto-me não como homem, revoltado, revolucionário, guia, líder, discente, pai, filho, namorado, amigo, mas como um que ama, amante amador, ama-a-dor, [não] humano, [não] prisioneiro, mas um libertino [filho de libertos, destruidor de conceitos, o que extrai o realmente desejado].
Evitemos o velho discurso lastimoso [que procura despertar ‘pena’, ‘dó’] dos covardes. Nunca ‘deixemos como está’ nunca aceitemos ‘as coisas como elas são’, nunca devemos ‘fazer porque todos fazem’, antes que esqueçamos, não somos deste mundo, desta prisão construída para adequar os covardes que não ousam se impor, se debater dentro dos caixões, romper grilhões. Corre o covarde para as suas convicções : corre para a verdade absoluta : para uma única religião verdadeira : para o melhor trabalho : para o acumular dinheiro : para o defender idéias de outros : corre em direção ao parceiro perfeito : o escravo será sempre escravo, não importa o senhor.
Há de se conhecer, olhar para os lados, observar atentamente a condição, as estruturas que criamos para nós mesmos [famílias, escolas, universidades, empregos, bares : e todos os discursos que estas defendem] e que nos prendem, nos formatam. Após conhecer, devemos destruir, esmiuçar em pedacinhos, espalhar, analisar ponto a ponto.
A que nos prendemos então, você pergunta. Devemos nos prender as coisas que amamos rasgar, cortar, devorar : aquelas cousas que devoramos de forma obsessiva : aquelas que amamos [não a ilusão, o encantamento imbecil que alguns apregoam ao amor] : aquela vontade de sempre estar, vontade quase canibal de devorar cada parte do sujeito : ou arte : ou saber desejado com pureza e devassidão.
(continua : este texto é um feto ; ainda haverão outras leituras ; ainda há de nascer!)
"Arrombo portas,
devasso salas
Empurro mágoas pendentes no corredor.
Recolho um favor que, desprezado,jaz no canto, roto e desbotado,
Encosto de lado um desafeto,
Abro alas,
Passo reto."
Texto de Flora Figueiredo